1/13/2008


O PORTAL DAS PROBABILIDADES
O QUE NUNCA ACONTECEU IA SE TORNAR REALIDADE
UMA AVENTURA DE PERRY RHODAN


Gian Danton

“Na vida cotidiana, a característica lorenziana da dependência sensível das condições iniciais paira sobre tudo. Um homem sai de casa, de manhã, 30 segundos mais tarde, um vaso de planta deixa de acertar sua cabeça por uns poucos milímetros, e em seguida ele é atropelado por um caminhão. Pequenas perturbações no trajeto diário de uma pessoa podem ter grandes conseqüências”.
James Gleick, Caos – a criação de uma nova ciência


Personagens:

Perry Rhodan – o astronauta que não mudou o destino da humanidade
Gucky – o rato castor que faz a descoberta catastrófica
Reginald Bell - que não aceita estar morto
John Marshall - que conta uma história inacreditável


PARTE I


- Alô, Gucky! Você está aí?
- Não adianta, senhor. O rato-castor não responde.
Perry Rhodan recostou-se na cadeira de comando, pensativo. A Stardust havia passado por acaso próximo a um planeta desconhecido e quando os instrumentos detectaram uma anomalia no espaço-tempo, o rato-castor se ofereceu para investigar. Vestindo seu traje espacial, ele desapareceu da Stardust e entrou na atmosfera do planeta desconhecido. Desde então ele não fizera nenhuma comunicação. Isso acontecera há mais de uma hora.
Rhodan olhou para John Marshall. O telepata estava com ele há muitos anos e fora um dos primeiros membros do exército de mutantes. O Administrador Solar era munido de um bloqueio telepático que impedia Marshall de ler sua mente, ainda assim ele sabia exatamente o que o outro estava pensando.
- Sinto muito, senhor. Não consigo captar nenhum pensamento de Gucky. É como se ele não estivesse pensando...
- Ou como se algo estivesse impedindo seus pensamentos de chegarem até nós.
- O que faremos, Rhodan? Não podemos deixar aquela bola de pêlos lá embaixo.
Quem conhecesse Reginal Bell apenas superficialmente poderia achar que sua relação com Gucky não era das melhores. Entretanto, era em momentos como este que Bell demonstrava a grande amizade que tinha pelo rato-castor.
- Eu realmente não sei. Não posso ameaçar a tripulação da Stardust descendo no planeta. Mas também não posso abandonar nosso amigo...
Nisso o comunicador guinchou estridentemente.
- Per... Rho...aqu... Gucky!...
- Há uma interferência na mensagem, senhor. – explicou o oficial de comunicação.
- Tente melhorar a mensagem. E rastreie o sinal. Quero saber onde está Gucky.
A mensagem continuou:
- Você... e... gorducho... precisam ver isto... descer... aqui...
- Gucky, volte para a nave! – ordenou Rhodan, mas a comunicação já havia sido interrompida.
Houve um profundo silêncio na sala de comando. O Administrador-solar apoiou o queixo na mão, pensativo. Finalmente decidiu:
- Vamos descer! Preparem um planador. Marshall, você e Bell vêm comigo.
- Não, Rhodan! Não sabemos o que há lá embaixo. Você não deve ir conosco!
Rhodan pousou a mão sobre o ombro de Bell e falou calmamente:
- Bell, naquele dia, na Lua, tempos atrás... nós não sabíamos o que havia no lado negro. Era perigoso, mas nós fomos. Então encontramos Crest, Thora e a nave arcônida. Se tivéssemos deixado o medo nos dominar, não estaríamos aqui agora. Se aceitamos o desafio, aceitamos também os riscos. Agora vá se aprontar.

* * * * * * *
A nave deslizou suavemente na atmosfera do planeta. Nenhum instrumento parecia apresentar comportamento defeituoso, exceto pelo comunicador.
Rhodan ia nos controles. Embora tenha se tornado um administrador, ele ainda era um astronauta. No fundo ele sabia que Bell estava certo: a missão era de fato arriscada e ele, como Administrador Solar, não deveria participar dela. Entretanto, a sede de aventura acabou falando mais alto que a razão.
- Senhor, estamos nos aproximando do ponto indicado pelo rastreamento. – informou Marshall.
O monitor da nave mostrou uma vasta área da cidade em ruínas. As construções tinham aspecto de terem sido um dia bastante sólidas e deviam ter feito parte de uma grande civilização. Mas como uma civilização como aquela poderia desaparecer daquele jeito?
- Olhem, é Gucky! – Bell apontou para um ponto na imagem.
Lá estava o Rato-castor sobre uma coluna caída, acenando para os terranos.
Rhodan aterrissou próximo da coluna e abriu a comporta. O rato castor os recepcionou mostrando seu enorme dente de roedor.
- E aí, como vai, gorducho? Pensei que seu peso fosse derrubar a nave...
- Ora, seu...
Bell avançou, mas uma força invisível o segurou e o levantou um pouco acima do solo.
- Melhor esfriar a cabeça, gorducho. Vai precisar dela quando eu mostrar o que encontrei.
- Desça-o, Gucky! – ordenou Rhodan.
- Você é que manda, chefe. – concordou Gucky, retirando o controle telecinético sobre Bell, que desabou no chão.
Bell ainda estava limpando a poeira da roupa quando o grupo avançou, guiado por Gucky.
- Afinal, o que você achou, Gucky?
- Ainda não sei, mas pode ter certeza de que é algo importante.
- O que você achou pode ter sido o responsável pela destruição desta civilização? – Rhodan apontou para as ruínas ao seu redor.
- Acho melhor vocês mesmo verem.
O grupo parou em frente a um prédio imponente. Parecia uma espécie de Museu e, o mais surpreendente, estava muito conservado. Lá dentro, no salão principal, havia um portal de aproximadamente três metros. Não era feito de pedra, plástico ou qualquer outra substância conhecida.
- O que acha disso, Bell?
- É estranho, muito estranho. Parece ser mais antigo que o povo que construiu esta civilização.
- Há mais uma coisa estranha. – observou Gucky. Este é o único prédio intacto de todo o planeta. Mas há outra coisa, vejam...
O rato-castor passou o dedo por um móvel e mostrou para os outros.
- Estão vendo?
- Não estou vendo nada! – admitiu Bell.
- Isso é que é o estranho. Este é um planeta de ruínas. Este Museu, ou o que quer que seja, deveria estar repleto de poeira, mas está tudo limpo.
- É como se o tempo não tivesse afetado este lugar. – raciocinou Rhodan.
- Isso mesmo.- concordou Gucky.
De repente o portal começou a emitir uma estranha luz. Ela foi se tornando cada vez mais forte e com o tempo a terra começou a tremer.
Os quartos seres foram tomados por uma estranha vertigem. Súbito tudo ficou escuro. Era como se tivessem desmaiado.
Rhodan foi o primeiro a acordar. Uma forte dor de cabeça parecia impedir seus pensamentos. Ele olhou à volta: nada parecia ter acontecido a seus amigos. Estavam inconscientes, mas vivos. Gucky abriu os olhos e levantou o corpo. Suas mãos apertavam a cabeça.
- Ugh! Parece que fui atropelado pela Stardust...
Os outros foram acordando aos poucos. Logo estavam todos de pé.
- Vamos embora daqui. – sugeriu Rhodan. Não sabemos o que está acontecendo e não quero mais surpresa.
Os outros concordaram. Foram caminhando na direção da porta, os trajes espaciais e a dor de cabeça dificultando seus passos. Quando abriram a porta, depararam-se com o inacreditável.
Não estavam mais no planeta desconhecido. Estavam na Terra, em Washington... e a cidade estava em ruínas!

PARTE II

Certa vez, muitos anos atrás, houve um homem extraordinário. Ele viajou à Lua e lá encontrou uma nave de uma civilização moribunda.
Esse homem mítico voltou à Terra, trazendo verdadeiros presentes do céu.
A nova tecnologia permitiria ao homem viajar pelo espaço e conquistar as estrelas.
Mas a humanidade não ficou satisfeita.
Embora o homem tenha impedido um guerra que acabaria com toda a vida sobre o planeta – e talvez por isso mesmo – eles o perseguiram. Esse homem foi considerado o inimigo número um da humanidade.
Isso foi há muito tempo.
O nome do homem era Perry Rhodan.
Entretanto, houve pessoas que acreditaram nele, no ideal de uma sociedade unida em torno de um sonho espacial.
Eu fui uma dessas pessoas.
Eu... John Marshall.
O homem venceu e sob sua liderança a humanidade lançou seus foguetes para todos os planetas do sistema solar e depois para além... muito além...
Surgiram outros inimigos, mas nada conseguiu abalar aquele homem com voz de trovão e pensamentos inescrutáveis.
Ainda me lembro de quando o vi pela primeira vez em um restaurante. Ele estava calmo, fleumático, seguro, apesar do perigo que corria.
Foi exatamente assim que ele ficou quando descobriu que o sonho havia acabado... que anos e anos de trabalho haviam sido reduzidos a nada.
Mesmo quando todos nós perdemos a esperança, ele permaneceu firme.
Afinal, esse homem é Perry Rhodan.
Acho que devo contar a coisa desde o início.
Quando atravessamos a porta do Museu, encontramos uma cidade em ruínas. Aqui e ali havia marcas de sombras de pessoas gravadas no concreto, como retratos macabros.
Ao caminharmos pelas ruas, encontramos uma pessoa se arrastando pelos escombros. Era uma mulher carcomida pela radiação. Já não havia qualquer vestígio de pêlos em seu corpo e ela era incapaz de falar. Eu e Gucky tentávamos retirar alguma informação de seus pensamentos caóticos quando fomos abordados por um grupo armado com metralhadoras.
Eram seres humanos, mas apresentavam queimaduras na pele e estavam envoltos em trajes anti-radioativos. Eles estranharam nossas roupas espaciais e nos obrigaram a segui-los. Gucky pretendia elevá-los no ar e fazer mais uma de suas peraltices, mas Rhodan o impediu.
- Não, Gucky! Precisamos saber o que está acontecendo. Não faça nada.
Nós seguimos o grupo. Embora o local se parecesse com a Terra, em especial Washington do século XX, não nos atrevíamos a retirar o capacete. Mil hipóteses passavam por minha mente. Teria sido a Terra descoberta por um de nossos inimigos e atacada durante nossa ausência? Será que o planeta desconhecido apenas reproduzia a superfície da Terra, confundindo-nos com sua brincadeira sem sentido?
Estávamos todos pensando nisso quando nos deparamos com um abrigo contra ataques aéreos. Nós descemos por uma escada e demos com um amplo salão.
A imagem era surpreendente: dezenas de pessoas comprimiam-se em um espaço mínimo, todas com olhar assustado, algumas nitidamente cancerosas.
Súbito houve uma agitação. O mar humano parecia se abrir para a passagem de um personagem ilustre. Primeiro surgiram dois bruta-montes, que abriam caminho a cotoveladas. Atrás deles veio... Alan d. Mercant! Todos se ajoelhavam ao vê-lo, como se temessem ser castigados caso não o fizessem.
Reginal Bell avançou para abraçar o amigo.
- Mercant! Finalmente alguém conhecido!
Mas foi empurrado por um dos guarda-costas.
- Quem são vocês? – indagou Mercant, olhando para nós como se fôssemos vermes.
- Sou Perry Rhodan!
- Mentira! Rhodan morreu na Lua, anos atrás.
Olhamos um para o outro, sem entender.
- Não, eu não morri. Estou aqui. Eu e Bell...
- Os dois morreram na Lua, a primeira missão tripulada ao satélite. Isso foi pouco antes da guerra.
- Houve uma guerra atômica?
- Claro que sim! Estados Unidos e União Soviética resolveram suas diferenças jogando bombas uns nos outros. Quando as nossas primeiras bombas foram enviadas, a cúpula de Washington resolveu fugir, imaginando que a cidade seria o principal alvo dos mísseis soviéticos. O avião deles foi bombardeado e todos morreram. Eu, no entanto, tive uma intuição. Decidi ficar. Agora percebo que foi uma decisão acertada. Eles praticamente ignoraram a cidade. Acabada a guerra, eu era um das poucas pessoas que ainda tinha armas, comida e todo o resto. Tornei-me o rei desta cidade em ruínas.... Mas por que estou contando tudo isso a vocês? Todos sabem disso...Quero saber de vocês! Quem são? O que estão fazendo com essas roupas?
Ninguém respondeu. Rhodan parecia absorto em seus pensamentos.
- Eu perguntei quem são vocês! – gritou Mercant.
Rhodan levantou a cabeça, altivo, e respondeu:
- Já disse: Sou Perry Rhodan!
Mercant parecia possesso. As privações e o poder absoluto haviam mudado aquele homem.
- São loucos! Completamente loucos! Eu poderia matá-los agora, mas quero saber quem são e o que estão fazendo aqui. Tirem os uniformes deles!
Alguns homens avançaram contra nós e tiraram nossos trajes espaciais. Ao contrário do que eu esperava, nós não sufocamos. A atmosfera era respirável.
- Leve-os para o calabouço. Talvez as baratas e ratos façam com que eles saibam quem manda aqui.
Fomos empurrados na direção de uma portinhola. As pessoas abriam caminho para nossa passagem. Em seus rostos eu podia ver o medo e pena pelo que aconteceria com nós. Finalmente nos empurraram para dentro de uma sala escura e úmida. Logo comecei a sentir algo andando por meu corpo. Eram baratas. Ratos guinchavam de felicidade, antecipando o prazer da refeição.

PARTE III

Como seria?
Como seria o mundo?
... Se um pintor frustado não se tornasse o líder do partido nazista? Se ele não tivesse chegado ao poder e espalhado a sombra do terror sobre toda a Europa?
Como seria?
...Se um homem chamado Colombo não tivesse imaginado que a Terra era redonda? Se ele não tivesse convencido a Rainha de Castela a financiar sua aventura?
... Se o filho de um carpinteiro não começasse a falar a respeito de suas idéias? Se ele não tivesse contaminado milhões e milhões de pessoas com a sua utopia de um mundo melhor?
Como seria?
Como seria o mundo se Perry Rhodan não tivesse voltado da Lua? Se ele tivesse morrido por lá, incapaz de se comunicar com seu planeta natal?
Certamente o mundo seria diferente se qualquer uma dessas coisas tivesse acontecido. Certos eventos são tão improváveis que acabam provocando grandes modificações na história da humanidade.
Era isso que estávamos discutindo naquele momento, naquela prisão fétida e repleta de ratos... como a história poderia ser diferente se a probabilidade dos eventos fosse alterada.
- Aquele monumento é uma espécie de portal das probabilidades. – disse Rhodan. Ele é capaz de identificar pequenos eventos que, modificados, mudam toda a história.
- É isso que deve Ter acontecido com o povo daquele planeta em ruínas. – ponderou Bell. O portal modificou a probabilidade dos eventos...
- ... e acabou com toda a vida no planeta. – conclui.
Bell começou a andar de um lado para o outro no pequeno espaço.
- Por quê? Qual a função dessa máquina, se é que é uma máquina... E como as pessoas do planeta a construíram e acabaram sendo mortos por ela?
- Você não tem nada na cabeça mesmo, hein gorducho? – chilreou Gucky. O portal foi achado. Ele é muito mais velho que a civilização das ruínas. Deve ter sido um achado arqueológico. Por isso o colocaram em um museu...
Bell ficou vermelho.
- Ah é, espertinho? Se é tão inteligente assim, por que não faz alguma coisa? Por que não dá alguns saltos até a nave e pede ajuda?
Rhodan balançou a cabeça.
- Você não entende, Bell? A nave não existe mais. Os humanos nunca conquistaram o espaço. Todo mundo que conhecemos não existe mais.
Bell sentou-se, abalado com a revelação.
- O que vamos fazer? – balbuciou.
- Antes de mais nada precisamos sair daqui. – disse Rhodan. Precisamos voltar ao Museu e tentar mudar as coisas. Gucky?
- O senhor é que manda, chefinho!
De repente algo estranho aconteceu. Os parafusos que prendiam as dobradiças das portas começaram a se mover, como se fossem manipulados por uma chave invisível. Depois de algum tempo todos estavam no chão e a porta desabou com um grande estrondo.
A multidão assustada olhou para nós quando assomamos à porta.
Um dos guardas se aproximou com uma metralhadora, mas a arma ganhou vida e resolveu fazer um passeio no teto do abrigo. O homem, como não quisesse soltá-la, acabou sendo levado junto e ficou lá, dependurado, as pernas balançando no ar.
- Quem mais quer voar? – perguntou Gucky, mostrando os dentes.
A multidão abriu espaço para nós.
Gucky foi na frente, marchando como um soldadinho de chumbo. Saímos do alojamento e atravessamos a rua. Em pouco tempo estávamos na frente do Museu.
- E agora, chefe? – indagou Gucky.
- Vamos entrar e examinar o portal. Deve haver algum mecanismo.
Rhodan deu dois passou e abriu a porta. Novamente pudemos ver o interior do edifício, totalmente conservado.
Segui Rhodan e o ajudei examinar o portal. Mas foi em vão. Não havia nada. Nenhum botão. Nenhum mecanismo.
Bell coçou a cabeça.
- Como faziam para esta coisa funcionar?
- Talvez controle remoto. – sugeri.
Rhodan balançou negativamente a cabeça.
- Nada disso. Deve haver algum mecanismo automático que liga essa coisa quando há gente por perto.
- Como o portal descobre que há pessoas por perto?
- Pensamento. – respondeu Rhodan. É assim que ele descobre os eventos que, uma vez alterados, podem mudar tudo.
Foi quando compreendi o que o administrador queria dizer.
- Se ele consegue captar pensamento, talvez consiga se comunicar dessa forma.
- Exatamente. Acho que temos serviço para você, Marshall. E para você também, Gucky.
Eu e o rato-castor nos aproximamos do portal e tentamos manter contato. Por instantes não senti nada. Era como tentar se comunicar com o chão, ou com o ar. Mas de repente toquei em algo. De um instante a outro, minha mente foi dominada por pensamentos estranhos. Vi o nascimento do universo sendo alterado. Vi uma civilização morrer por causa de um espelho. Vi um escritor cego ditando uma história. Vi seres diáfonos, em dedicada diversão. Vi naves espaciais explodindo no meio do vácuo. Novamente seres diáfonos carregando uma coisa. Uma lesma provocando uma guerra. Eu podia ver a coisa que eles carregavam. Era retangular e grande. Um parafuso se soltando de um avião e provocando sua queda. Os seres diáfonos carregavam o portal!
Acordei com uma insuportável dor de cabeça. Mas havia descoberto o significado do portal.
- É um brinquedo! – gritei. Um brinquedo de crianças! Os seres que a construíram a usavam para brincar com a realidade.
- Nós sabemos. – disse Rhodan. Gucky está em contato com a coisa.
Eu me levantei e, segurando a cabeça, vi o rato-castor. Ele parecia em transe e balbuciava palavras num tom de voz grave. O portal estava falando através de Gucky! Rhodan conversava com ele.
- Quem é você?
- Meus criadores não me deram um nome, apenas uma função.
- Qual é a sua função?
- Realizar brincadeiras com a realidade para ensinar às crianças a respeito da dependência sensível das condições iniciais dar-lhes responsabilidade. As crianças devem entender o caos, a entropia, os sistemas dinâmicos antes de aprender coisas realmente importantes.
- O que são as coisas realmente importantes?
- Não fui programado para ensinar sobre elas.
Rhodan coçou o queixo pensativo.
- O que são os sistemas dinâmicos?
- São sistemas que podem ser completamente modificados por pequenas alterações. Quase todo o universo é composto de sistemas dinâmicos: a conformação dos cinturões de asteróides, as montanhas do vale Iniii. Até mesmo um prato de refeição de nerons vivos é um sistema dinâmico. As crianças devem saber disso. Para isso eu existo.
- Você sabe que mudou toda a nossa realidade?
- Sim. Havia várias possibilidades. Uma delas era composta por um parafuso que, uma vez fora do lugar, provocaria uma guerra. Mas preferi uma que envolvia seres vivos para mostrar que a vida é caótica. É um sistema dinâmico. Um homem foi ao asteróide de seu planeta. Havia algo impedindo-o de voltar para casa. Ele resolveu investigar e achou uma tecnologia que mudaria completamente seu mudo. Se ele tivesse se acovardado, teria morrido ali, no asteróide, e seu mundo se consumiria nas chamas atômicas.
- Sabe quem é esse homem?
- Sim. Esse efeito borboleta chama-se Perry Rhodan.
- Sabe quem sou eu?
O portal pareceu tremer e iluminar-se. Depois de algum tempo respondeu, entre gaguejos.
- Você... é Perry Rhodan.
- Sim, e não estou morto. Sua brincadeira não é lógica, já que a alteração da realidade depende de minha morte. Você ensina a não-lógica às crianças?
- Eu ensino também a lógica paradoxal, mas o seu caso escapa à minha compreensão...
Perry Rhodan olhou para nós.
- Eu estava aqui, perto do portal, quando tudo aconteceu. Não fui afetado pela mudança da realidade.
- As crianças que estiverem brincando não devem ser afetadas.
- Mas a mudança dependia de minha morte. Esse é um erro que a programação desta coisa não pode compreender. Diga uma coisa: por que as crianças não poderiam ser afetadas?
- Isso poderia provocar alterações definitivas na realidade...
- Poderia haver uma realidade em que as coisas fossem completamente diferentes e até mesmo esta coisa deixaria de existir, então não haveria como voltar aos níveis normais de probabilidades dos eventos. É um item de segurança...
O portal voltou a tremer e iluminar-se.
- ... Mas como a alteração passou a ser feita a partir de minha morte, isso o coloca em uma situação insolúvel. Só há uma maneira de corrigir isso e impedir essa falha de segurança: você deve voltar a realidade ao normal.
A máquina voltou a pensar. Por fim disse:
- Está bem.
O portal começou a tremer e a emitir uma estranha luz. Em pouco tempo não pude ver mais nada. Tudo ficou escuro e, aparentemente, desmaiei. Quando acordei as coisas pareciam não ter se modificado. O prédio continuava exatamente como antes. Eu me levantei e percebi que Rhodan e Gucky já estavam em pé. Bell esfregava a cabeça e começava a se levantar.
- Vamos embora. – disse Rhodan.
Eu me surpreendi quando abrimos a porta: lá fora as coisas continuavam como estavam no começo. Nada de Washington. As ruínas eram as do planeta desconhecido.
Nós percorremos os escombros e encontramos a nave. Quando já estávamos decolando, Bell resmungou, enquanto ainda coçava a cabeça:
- Há uma coisa que ainda não entendi...
- O quê? – perguntou Rhodan.
- Se ele mudou a história, fazendo com que tivéssemos morrido, por que não morremos?
- Porque o portal é programado para não afetar as pessoas que o estão usando. Ele aparentemente era usado para mostrar as responsabilidades inerentes ao conhecimento. Eles mostravam para as crianças o que aconteceriam se elas não agissem com responsabilidade, mas não as afetava, para que tivessem oportunidade de consertar o erro cometido. Só que com o tempo, depois que a civilização que o criou foi extinta, ou talvez se mudou para o outro mundo, o portal passou a ser uma verdadeira armadilha. Só pudemos modificar a situação porque as pessoas que mudaram os eventos que ele controlava estavam ali e não foram afetadas...
- Continuo sem entender uma coisa...
- Diga, Bell...
- Como ele pôde nos confundir com crianças?
- Ora, você sempre será uma criança, gorducho... – disse Gucky.
Reginald Bell avançou para ele, pronto para esganá-lo.
- Ei, o que é isso, gorducho? Acho que depois de salvar todos nós, eu mereço algumas cócegas...
Rhodan concordou:
- Se não fosse Gucky, não teríamos como nos comunicar com o portal e acho que você não ia gostar de viver em um mundo em ruínas, governado com mãos de ferro por Alan D. Mercant.
Bell se sentou e começou a coçar a cabeça do rato-castor, não sem antes resmungar:
- Ainda vou ter uma conversa muito séria com Mercant...


FIM

OBS: Todos os direitos sobre o Universo PERRY RHODAN pertencem à VPM emRastatt, Alemanha. Este livro foi escrito por Gian Danton com o objetivo de divulgar a série e conquistar novos leitores.